Em busca do sono
Em busca do sono
Por Juliana Vilas juliana.vilas@folhauniversal.com.br Todo dia é a mesma coisa. Quando chega a hora de dormir, começa o drama de Letícia Cristina Esteves, de 18 anos. “Às vezes, choro de sono e não consigo adormecer de jeito nenhum”, queixa-se. Para conseguir repousar por algumas horas, a estudante deixa a luz do quarto acesa. “Sem luz é mais difícil ainda”, diz. Se acorda de madrugada, não consegue mais pegar no sono. Em geral, só consegue depois das 5 da manhã. E dorme, em média, de 4 a 5 horas por dia. De dia, entretanto, sente cansaço, dores no corpo e indisposição. Letícia faz parte de um grupo numeroso: o das pessoas que dormem mal. Um levantamento da Sociedade Brasileira do Sono mostrou que pouco mais da metade (57%) dos brasileiros costuma ter um sono restaurador. Os 43% restantes, que dormem mal, apresentam frequentemente sinais de cansaço ao longo do dia. “Se a pessoa dorme 3 ou 4 horas e fica disposta durante o dia, está tudo bem. O problema é a sonolência diurna, que pode trazer muitos riscos, até de acidentes”, explica o médico Matheus Bernanos, especialista em Medicina do Sono. De fato, uma pesquisa feita, em 2004, pela organização não-governamental (ONG) SOS Estradas aponta que em 216 acidentes de ônibus, registrados entre janeiro de 2002 e março de 2004, pelo menos 99 aconteceram sem o envolvimento de outro veículo. Provavelmente, de acordo com os pesquisadores, tais acidentes foram causados pelo cansaço ou sono dos motoristas. E não é só o terrível risco de cochilar de dia que aumenta muito a importância das noites bem-dormidas. Estudos realizados por universidades nacionais e internacionais apontam que quem dorme mal tem mais chance de engordar, pegar resfriados, contrair problemas cardíacos, desenvolver paranoias e outras doenças. Um levantamento publicado na revista científica “Archives of Internal Medicine” relaciona noites mal-dormidas ao risco de contrair gripes e resfriados. Os cientistas constataram que dormir menos de 7 horas por noite afeta o sistema imunológico. Foram testadas 153 pessoas que, durante 2 semanas, todos os dias, relataram detalhes das noites de sono. Todas receberam aplicação do vírus causador do resfriado comum. Dias depois, os voluntários comunicaram aos pesquisadores os sintomas. Quem costumava dormir mal ou poucas horas pegou resfriado. Já os que passavam adormecidos mais de 92% do tempo em que estavam na cama conseguiram se defender do vírus. Outra pesquisa, publicada na revista científica “Science”, indica que jovens e adultos que sofrem de insônia e outros distúrbios têm mais probabilidade de desenvolver o mal de Alzheimer. Os cientistas monitoraram os níveis de beta amiloide, um fragmento de proteína conhecido por estar ligada à doença de Alzheimer, no cérebro de ratos privados de sono. Os que ficaram sem dormir apresentaram 25% mais amiloide beta se comparados com os que dormiram mais.Dormir muito, entretanto, não significa dormir bem. Estudiosos garantem que nem todos precisam de 8 horas diárias de sono. De acordo com um levantamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), 2% da população necessita de 5 a 6 horas de sono por noite. No outro extremo, está o grupo dos chamados “grande dormidores”, também representado por outros 2%, que precisam de 10 a 11 horas de repouso todos os dias. Além da insônia, que pode ser crônica ou circunstancial, os distúrbios mais comuns são apneia (pausas na respiração ao longo da noite), ronco, bruxismo (o ranger dos dentes, que atinge 15% da população) e outras doenças neurológicas, mais raras, que afetam 1% dos brasileiros. A Unifesp constatou também que, na cidade de São Paulo, 13% das pessoas sofrem de insônia e um terço (32,9%) não consegue dormir por causa da apneia. Fabiola Carla Totti Thomé, fonoaudióloga especialista em sono, diz que as queixas mais comuns dos pacientes que procuram clínicas e laboratórios para fazer exames são mesmo o ronco e a apneia. Pesquisas indicam que, de 1995 a 2007, a procura por exames e tratamento contra o ronco se tornou mais comum. Na década passada, ela representava 19% do total de pessoas que se queixavam de algum problema relacionado ao sono. Em 2007, a proporção foi para 41,7%. O exame mais completo para detectar distúrbios do sono é a polissonografia (leia texto na página 9). Em algumas cidades do País, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece tratamento gratuito de doenças relacionadas ao sono por meio de parcerias com entidades especializadas, como o Laboratório de Medicina do Sono, do Hospital Universitário de Brasília, e o Instituto do Sono, em São Paulo. Há ainda o chamado “personal do sono”, um fisioterapeuta que vai até a casa da pessoa, observa o travesseiro (a altura é mais importante do que o material), o colchão, a luminosidade do quarto e a posição em que o sujeito costuma dormir. Depois, dá conselhos e dicas para corrigir as possíveis causas das noites mal-dormidas. A posição ideal para deitar, segundo fisioterapeutas, é o decúbito dorsal (de lado, com joelhos unidos e braços soltos). Os médicos garantem que a maior parte das pessoas não precisa de tratamentos mais rigorosos, só dorme mal ou menos que o necessário. Nesses casos, tomar algumas medidas simples, ter disciplina e hábitos saudáveis antes de deitar podem garantir noites tranquilas e regeneradoras. E dias mais produtivos e felizes.
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